domingo, 22 de setembro de 2013

Ricardo Lísias - O Livro dos Mandarins


Ricardo Lísias é um autor brasileiro que inexplicavelmente ainda não se encontra publicado em Portugal - Hello? Editoras? Alguém aí? Knock knock! A minha curiosidade aumentava cada vez que alguém falava (sempre bem) sobre O Céu dos Suicidas ou Divórcio. A bem da verdade ainda não tinha lido comentários a este título (simpaticamente oferecido pela gentil, sempre adorada, Denise), mas só esperava coisas boas. Às primeiras páginas quase tive uma epifania. A forma de contar a história é muito original: num fluxo, sem pausas, as descrições e diálogos vão acontecendo dando voz, ora à consciência de uma personagem, ora à consciência de outra, ou até mesmo à experiência de um narrador heterodiegético omnisciente. E quando digo um fluxo, quero dizer que de facto o que está para a frente se liga ao que ficou para trás e que este passado condiciona tudo. Condiciona por exemplo a evolução do nome das personagens que nunca é estanque, embora todos os nomes tenham tendência a pertencer à mesma família (Paulo, Paula, Paulinho, Paul, Paulson, Paul* ou diversos Omar Hasan Ahmad al-Bashir). A juntar a isto temos previsões certas de um futuro que, descobrimos mais tarde, pode não chegar a acontecer.
É um livro fácil de ler, a atenção que requer na identificação das personagens é compensada pelas repetições exaustivas de uma ideia ou de um parágrafo que ficamos a conhecer de cor, como se a história fosse contada várias vezes. Sim, já sabemos que a personagem principal é uma admiradora fervorosa do "ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso", que tem uma dor de costas que "se desloca e cada dia fica em um lugar diferente" e que esta melhoraria (ou melhorará?) com o "uso da Ceragem, uma cama que, com quarenta minutos por dia, alivia a dor nas costas de qualquer um".
Este não é um livro sobre a China. Na realidade é um livro sobre negócios, sobre corporações, sobre lealdade constitucional, sobre ambição e sobre assuntos mais sérios que não adianta agora aflorar. Tudo abordado com um toque de humor saudável e indispensável.
Para mim o melhor é a forma como está escrito, surpreendente a cada passo, embora me parecesse mais sensato que tivesse menos páginas. O pior é mesmo esta sensação de confusão que me assaltou quando virei a última página, a certeza de não ter alcançado o objetivo e a malograda esperança de assistir a um final que pudesse dar sentido a tantas pontas soltas. Se não for pedir muito, alguém que me dê a mão.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Jorge de Sousa Braga - O Poeta Nu (Poesia)


Não é novidade que eu não sei - nem tento - escrever ou falar sobre poesia. Guio-me pela opinião que tenho de que para gostarmos de um poema temos, de certa forma, de nos identificar com ele. Ou porque fala de fases da vida pelas quais já passámos, ou porque retrata emoções que julgamos já ter sentido - ou até porque as retrata tão bem que nos coloca na pele do sujeito poético -, ou porque tem um humor semelhante ao nosso, ou simplesmente porque transmite uma ideia genial que nos deixa embasbacados por alguém ter tido o discernimento de pensar nela.
Se eu estiver certa, esse é o motivo de eu não poder dizer que gosto sinceramente de Jorge de Sousa Braga. Não nos identificamos. É verdade que o achei genial por vezes e é também verdade que me ri com gosto, mas, em bem mais de metade da obra, não me relacionei com o que estava a ler. Fui confundida pelo non-sense e encontrei ciências exatas a inundar o tempo que guardo para a literatura. Para mais, mesmo sabendo que longe vão os tempos (ainda bem!) da obrigatoriedade dos formatos rígidos, não pude deixar de evitar pensar que estava a ler pensamentos e não poesia.
Deixo-vos os poemas que assinalei. Porquê estes? Nem que me pedissem muito saberia explicar.


«Era quase tão bela como a Vénus de Milo. Um dia cortou
os braços a sangue frio»


«Poema de Amor

Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo»


«Levaram-no ao Serviço de Urgência. Perdera a fala
subitamente. O médico que o assistiu veio a apurar que
ligara as cordas vocais entre si para conseguir escapar
da sua prisão interior.»


«Lagoa Comprida

Sempre me intrigaram esses lagos de montanha alcan-
dorados nas nuvens. É como se fossem gigantescas taças
de orvalho que as montanhas erguessem para brindar
a cada novo dia.»


«Remos

Uma das coisas que aprendi muito cedo ainda foi a remar.
De modo a conjugar o som dos remos a cortarem a água
com o bater do meu coração.

Aprendi primeiro a remar contra a corrente. E agora
não sei - nem ouso - remar de outra maneira.»


«Vulcões

É cada vez mais reduzido o número de vulcões em acti-
vidade: o Stromboli, o Etna... Só de longe a longe nos
chegam ecos de uma súbita erupção.

Lentamente a terra vai perdendo a ilusão de que é uma
estrela!»

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Maria Teresa Horta - As Luzes de Leonor

 
Um extensíssimo poema sobre uma mulher nascida no Século das Luzes que dedicou a sua vida à busca da sabedoria e do conhecimento. Sempre muito à frente dos seus, bateu-se por um país que não fosse minado de intrigas e jogos políticos, lutou contra o despotismo que lhe marcou a infância e a juventude, questionou as proibições impostas ao sexo feminino e nunca se deixou vergar pelo que queriam impor-lhe.
Uma mulher culta e inteligente que foi presença notada em todas as cortes que frequentou, que tinha tantos admiradores quantos inimigos, que à imposição de casar e ter filhos respondeu com a necessidade de saber sempre mais. Enfurecia-se com a banalidade da sociedade portuguesa, o que fez com que, contrariando o pai severo, ousasse sair do país. Quis viajar, correr mundo à procura dos Grandes com os quais acabou por privar. Uma mulher com carácter e detentora de uma coragem invulgar que D. Maria, Carlota Joaquina e até Maria Antonieta fizeram questão de ter a seu lado.
Maria Teresa Horta revive a história de Leonor de Almeida, uma filha das Luzes que procurou sempre mais do que encontrou, que deu à poesia o que não soube ou não quis dar aos filhos. Para contá-la, recorre a uma linguagem poética utilizando um vastíssimo vocabulário que se enovela em metáforas e aliterações. Uma fórmula de sucesso, talvez a única capaz de espelhar todo o esplendor do século XVIII, de invadir a imaginação do leitor convidando-o a sentar-se a mesas fartas e a passear pelas ruas de uma Europa que a custo se iluminava.
 

sábado, 14 de setembro de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Amélie Nothomb - A Cosmética do Inimigo

 
Este livro nasce de um diálogo forçado numa sala de embarque de um aeroporto. Um homem abeira-se de um desconhecido que lê em paz e insiste em contar-lhe a história da sua vida. Depois de se debater inutilmente, Jérôme Angust conclui finalmente que não lhe resta outra hipótese senão ouvir o que aquele louco tem para lhe dizer. Não é ainda aqui que desconfiamos que a própria autora do livro será tão louca como Textor Texel mas não faltarão muitas páginas até isso acontecer.
É num estilo muito direto que Amélie Nothomb desenvolve a história impensável de um tresloucado. Um relato descorado onde raramente conseguia vislumbrar a Amélie Nothomb de Temor e Tremor. Senti-me orfã e desamparada em frases curtas, de ironia previsível, nas quais se antevia um pouco de génio - entenda-se feitio - mas longe da hilaridade do livro que retratou brilhantemente a sua experiência profissional no Japão.
E a verdade é que chegada à segunda metade de um livro tão pequeno eu já não esperava grande coisa. Engano e problema eu. Fui apanhada completamente desprevenida, vi-me chegar àquele estado descontrolado em que esbugalhamos os olhos, voltamos a página atrás e não somos capazes de acreditar no que estamos a ler. Isto uma vez. Meia dúzia de páginas à frente, volta a acontecer. Perdi de tal forma o chão que acho que ainda não estou recomposta.
Não esperem uma obra literária imperdível mas convençam-se que é uma história de doidos que nos endoidece irremediavelmente. A um preço absurdo de 2,5€ eu diria que vale bem a pena arriscar uma entrada pela porta grande no Júlio de Matos.
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