sábado, 5 de outubro de 2013

Susana Moreira Marques - Agora e na Hora da Nossa Morte


A morte assusta. Não gostamos de pronunciar o seu nome com medo que nos ronde. O que dizer então de quem vai à sua procura? Foi o que Susana Moreira Marques fez, foi a terras de gente a quem a morte andava a rondar. Embrenhou-se em Trás-os-Montes, em aldeias que, pelo isolamento, se não tresandam a morte, a vida é que não cheiram de certeza e, de forma corajosa, acompanhou profissionais que são verdadeiros heróis a quem nunca se fará justiça.

A autora quis saber os pensamentos mais íntimos de um moribundo, aqueles que se revelam nas horas de maior desespero. «Se eu regressar, bater à porta mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez, se eu tiver tempo, tempo sem pressa, disfarçando que nasci na cidade, se eu souber ouvir melhor, cada palavra sentindo-se acarinhada e compreendida, se eu souber o que fazer com as mãos e não tirar notas, será que as pessoas vão abrir e dizer o que realmente pensam nas solitárias e lentas horas da noite?». Talvez fosse um trabalho inglório, impossível de realizar, há coisas que nem um moribundo tem coragem de confessar, ainda que já não haja nada a perder senão tempo. Mas Susana Moreira Marques conseguiu ao menos fazer com que as memórias destas pessoas não morressem com elas. Deixa-nos também a certeza de que cada pessoa tem uma história extraordinária para contar, basta irmos atrás dela, de coração aberto. Não é preciso vasculhar nem invadir os baús guardados no sótão, basta ouvir. Abrir o peito, puxar de um banquinho, deixar os julgamentos e preconceitos no umbral da porta de entrada, e simplesmente ouvir.

Esta jornalista procurou a morte e encontrou-a. Mas a morte não estava só, a morte não se conseguiu desenvencilhar do conceito de família que só existe nestes ermos que o país esconde com vergonha, em vez de se orgulhar e congratular por existirem. É por isso que os emigrantes voltam sempre em agosto. É por isso que não havendo crianças na maior parte do ano, estes lugares se enchem de berros e gargalhadas no verão. Porque nestas aldeias isoladas de tudo, existe um amor que aquela gente não conhece palavras para explicar. Um amor empático, altruísta. Um amor que é feito de dar, gerado pela necessidade de partilhar a solidão e o isolamento. É a esse amor que chegamos quando o resto do mundo nos vota ao esquecimento. «Quereria voltar ao fim do mundo uma e outra vez, porque uma e outra vez quereria recuperar o que no meu mundo (o centro?) parecia estar perdido: uma certa maneira de mostrar o amor.»
Neste livro pequenino, intenso, fala-se sobre morte mas enaltecem-se os afetos e o facto de se estar vivo. Há quem diga que não é preciso sofrer para saber o que é o sofrimento, mas eu cá concordo com a Paula: «ai, a gente só sabe é quando as passa».
 
 
Citações:

«Eu parece-me que há qualquer coisa depois da morte. Tenho essa ideia. Tanto nos metiam medo com coisas, para que nos andariam a enganar? Mas não sei. Os que morreram não escrevem, não telefonam, e a gente fica sem saber.»

2 comentários:

  1. Tenho imensa curiosidade em ler este livro. Não será uma leitura fácil mas será marcante, sem dúvida.

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