sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Mário Zambujal - À Noite Logo Se Vê


Depois de O Diário Oculto de Nora Rute que me deixou desconsolada por ser tão curto, era necessário continuar a ler Mário Zambujal para, na minha cabeça, tentar associar um estilo ao autor. Escolhi um clássico: À Noite Logo Se Vê.
«No tempo inteiro de quatro anos, quatro, não nasceu criança, uma que fosse, menino ou menina, na aldeia do Roseiral;» e está dado o mote, é preciso esclarecer este imbróglio. Catástrofe natural, obra do fantástico ou conjunto de acasos, alguma explicação terá de ser encontrada e ninguém melhor do que Guilhermino João Ukkonen Miralva para o fazer, afinal, diz o próprio: «Desde fedelho sonhava eu dedicar-me ao estudo de fenómenos, bruxas, fantasmas, assombrações, vozes do Além e tal, mas nunca me deram uma mãozinha de apoio, família ou entidades competentes.».
Enquanto as investigações ocorrem, fazem-se alguns desvios absolutamente necessários para relatar várias outras histórias tão ou mais fantásticas («Suponho que me acusam já de indisciplina narrativa, atardo-me em casos laterais ao objectivo anunciado (...)»). Num livro que se lê demasiado depressa, garanto que haverá tempo para tudo («Acode-me agora o exemplo de Quinzinho Pontual, história importante que gostaria de contar, se dispusessem de algum pouco tempo, sem prejuízo de vossos quefazeres e urgências.»).
Adequada a todas as idades, esta leitura faz-nos rir do insólito da vidinha do comum dos mortais tornando-se o antídoto perfeito para dias de enfado. No final, concordaremos que haverá sempre espaço para autores que recorram à comicidade da desgraça do quotidiano, damos-lhes as boas vindas à equipa de que Machado de Assis será sempre o indiscutível capitão.

4 comentários:

  1. Inês,
    Descobri recentemente o seu blog. Permita-me que lhe felicite pela excelente iniciativa que corresponde, na minha opinião, a um bom exemplo de serviço público. Muitos parabéns! Há blogs e blogs, porém, reparei que o seu mantém um conteúdo bastante cuidado e profissional. Também sou um amante dos livros, da literatura e da língua portuguesa - ela que é a pátria de todos nós, como diria F. Pessoa. Gostava de lhe lançar uma questão, em jeito de desafio (para comentário ou vídeo futuro). Qual a sua posição face ao Novo Acordo Ortográfico? Pessoalmente sou contra, como o são alguns escritores que leu recentemente como o Mário Zambujal ou o Mário de Carvalho. Eu creio que estamos perante um atentado ao nosso património colectivo (a língua e a ortografia), com um propósito utópico de unir o que no passado se diferenciou pela evolução das variantes (PT e BR) e que, até por razões gramaticais, é impossível de unificar no presente e no futuro. Para além de que, será mesmo preciso unificar? Quantas dezenas de variantes tem o Inglês ou o Espanhol? Extraordinariamente, o saldo do acordo é que aumentaram mais as palavras que se vão escrever de forma diferente do que aquelas em que uniformizou a grafia. Já para não falar da multiplicação das facultatividades… Qual a sua reacção ao ler "coadoção", "setor", "perceção" ou "reto"? Consegue associar às palavras que conhece? Eu, que sou alfabetizado, tenho dificuldade em ler estas novas edições com o Acordo e a minha fluência e prazer da leitura esbarram em palavras como as que referi. Eu e vários colegas e amigos (também ávidos leitores) tomámos como decisão não voltar a comprar edições escritas com o Acordo. Como é que a Inês e os seus amigos leitores vêem esta questão?
    Não desista e continue com este seu projecto. Há quem a esteja a seguir atentamente e que aprecia a qualidade do que faz. Um abraço e continuação de um excelente trabalho!
    Tiago

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    1. Boa noite, Tiago,
      Antes de mais, obrigada pelas suas palavras de incentivo e apreço.
      Se costuma seguir as minhas leituras, já percebeu que tenho predileção por autores lusófonos, parece-me que isso é bastante demonstrativo do quanto adoro a língua portuguesa.
      Não sou a favor do Acordo Ortográfico, pelo menos não na forma como está a ser implementado, talvez alguns ajustes pudessem ter sido feitos com cedências de ambas as partes. O que foi imposto de forma mal negociada e muito forçada acaba por, a meu ver, desvirtuar completamente algumas regras ortográficas que seguiam a oralidade.
      No entanto, a verdade é que não me sinto qualificada para opinar e tento adaptar-me como posso dado que sou obrigada a cumprir o Acordo no meu meio profissional (e é por isso que o utilizo também no blogue). Pior do que aceitar e cumprir o Acordo é estar nesta corda bamba de avanços e retrocessos, não traz senão uma esquizofrenia linguística.

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    2. Inês,
      Agradeço muito a sua resposta e também acho que estamos numa situação quase caótica. A nossa obrigação em cumprir o novo AO nos nossos meios profissionais faz-me lembrar a Novilíngua de Orwell em “1984”. Quando o li, achei piada e impossível de alguma vez vir a acontecer. Ora, pois, aqui estamos nós... Abreviando, posso então concluir que o seu prazer da leitura não é afectado nas edições já com o novo AO?
      Parabéns pelo blog e um abraço,
      Tiago

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    3. No início foi bastante difícil, agora é cada vez menos embora ache que nunca me vou habituar a certas palavras. Não vou dizer que o prazer da leitura não é afectado mas não deixar de ler determinado autor por causa do novo AO. Isso seria bem mais penoso para mim :)

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